Quem viaja pela BR-040, em Minas Gerais, dificilmente entende por qual motivo se cobra pedágio desde 2014 para circular em uma estrada com estado pior do que muitas rodovias públicas. Uma pista simples, com pequenos trechos duplicados (boa parte deles, meras incorporações dos acostamentos, que desapareceram por
manutenções que vêm sendo questionadas), mas que cobra R$ 6,30 para veículo de dois eixos (carros, caminhonetes, furgões) em cada uma das 11 praças de pedágio, para uma estrada que a última Pesquisa CNT (2023) considerou apenas regular. Ainda mais crítica é a situação do trecho de 66 quilômetros, entre Nova Lima e Conselheiro Lafaiete, que tem recebido conceitos de regular, ruim a péssimo na pesquisa devido às precárias condições - que resultam em alto volume de acidentes e três vezes mais mortes do que a média da via. Ainda assim, com tanto a ser feito, a concessionária que administra a região, apresentou lucro de 6,7% - só com a cobrança de pedágio.
De janeiro a outubro de 2023, os 850 quilômetros da BR-040, em nosso estado, registraram 1.645 acidentes, com 131 mortos e 2.084 feridos, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal (PRF). O trecho citado acima, apresentou 405 acidentes, 34 mortes e 548 feridos. Enquanto toda a BR-040, por aqui, mata uma pessoa a cada 6,5 quilômetros, o segmento tido pela CNT como mais precário é três vezes mais mortal, com uma pessoa tendo perdido a sua vida a cada 1,9 quilômetro, em média, nesse período.
Alegando prejuízos devido a atrasos de licenças, degradação da economia do país e outros problemas, a Via-040 decidiu ingressar com a rescisão amigável da concessão (relicitação), em 2017, o que só foi encaminhado em 2020. Mas a empresa conseguiu uma liminar na Justiça que a permite manter a cobrança de pedágio para a manutenção da estrada, sem a necessidade de ampliações. Após a concessão dos 936,8 km da BR-040 em 2014, já se deveriam ter sido duplicados 714 km, mas a abertura de novas faixas não ultrapassou 70,1 km (9,8%). No resultado do segundo trimestre de 2023, a Via-040 apresentou dívidas de R$ 1 bilhão.
E mesmo a manutenção, que ainda é obrigação da concessionária, tem sido questionada por viajantes e usuários frequentes, sobretudo no trecho entre Nova Lima, na altura do Trevo para Ouro Preto (BR-356) e a área urbana de Conselheiro Lafaiete (interseção com a BR-482, para Viçosa). São buracos, trincas e ondulações altas e outras profundas, sobretudo na pista com tráfego mais pesado de cargas e passageiros, placas, faixas e sinalizações pintadas no asfalto encobertas por sujeira, drenagens entupidas ou insuficientes, alagando as pistas de lama que depois seca e se converte em poeira que sobe em nuvens, prejudicando a visão dos condutores.
Conforme o engenheiro Herzio Mansur, responsável por notas técnicas que vêm sendo consideradas pelo Ministério Público e que resultaram de Grupo de Trabalho do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), o traçado da estrada - por ser antigo (mais de 60 anos) - é estreito demais, inadequado, recebe tráfego acima da sua capacidade e tem problemas de manutenção, também, nas áreas de itabirito, Ouro Preto e Congonhas. "Da forma como está, a rodovia não comporta a atividade intensa que a utiliza. O traçado antigo e estreito e o volume de veículos são uma combinação explosiva para acidentes. Do KM 563, condomínio Alphaville, até Congonhas, por exemplo, temos um trecho com concentração de carretas transportando minério de ferro, entre uma série de terminais rodo-ferroviários e atividades siderúrgicas", analisa o engenheiro.
O integrante do movimento SOS BR-040, que há 10 anos busca soluções para a rodovia, Sandoval de Souza Pinto Filho, afirma que o trecho de Nova Lima a Congonhas é conhecido como "Trem Fantasma", pelo seu abandono e falta de condições. "O pior fica entre o KM598, acesso a Belo Vale, até o 618, no acesso para Jeceaba. Quando chove, é lama que vem das mais de 30 estradas conectadas à terra e que alagam, pois a drenagem ou é insuficiente na rodovia ou está entupida, assoreada. Quando seca, vem a poeira. E olha que Congonhas é patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Mas está sofrendo esse descaso", critica.
Sandoval Filho segue com críticas de trecho a trecho. "Depois do trevo do Alphaville, no KM 563, já acaba a iluminação. A faixa dupla é pequena, sem acostamento e nem canteiro central. A poeira e o minério das carretas de mineradoras são tão gritantes que as faixas responsáveis por dividirem as pistas somem e as placas de sinalização ficam tapadas (de tão sujas). Um caminhão, outro dia, subiu no canteiro porque vinha às escuras, não viu a faixa e nem as placas sujas com lama. Navegou "às cegas", como se fosse um morcego voando pelo sonar", compara o ativista.
As liminares que permitiram à concessionária Via-040 continuar cobrando pedágio para seguir com a manutenção da rodovia BR-040, até o novo processo licitatório e - ainda - sem a necessidade de ampliações e melhorias, impediram medidas que trariam segurança. Elas não foram adotadas. "Se não fosse essa decisão judicial e a concessão fosse cancelada, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) poderia ter assumido a BR-040 e sanado vários problemas, que a Justiça desobrigou a Via-040 de se responsabilizada", afirma Mansur.
Entre as intervenções mais urgentes para trazer mais segurança, estão mudanças no traçado. "Tem de ampliar os raios das curvas, para que se tornem menos fechadas; eliminar as rampas e aclives muito fortes e precisaria cortar mais a serra para reduzir essas rampas. Com isso, haveria menos desgastes dos freios e menor consumo de combustível. Temos pontes em pista simples depois de o motorista vir de uma pista dupla. Muitas também não são os tipos de pontes mais adequados. E é imprescindível termos um canteiro central ou barreira para separar os sentidos. Isso poderia eliminar 80% do agravamento das colisões frontais, a maior responsável por mortes", indica o engenheiro.
De acordo com o integrante do movimento SOS BR-040, Sandoval de Souza Pinto Filho, os números de acidentes traduzem uma grande quantidade de tragédias e, pior, que não cessam. "Os acidentes se concentram na Curva da Celinha, no KM 588 (Itabirito), uma descida de 10 quilômetros com a curva fechada no final, quando os caminhões já estão com os freios moles. O mesmo ocorre nos 8 km de descida da Curva do Pires, no KM 604", aponta.
"Em Congonhas, temos quatro pontes de bitola de 8 metros, que funciona como um funil para quem vem de quatro pistas para duas, em áreas de intenso tráfego local e até urbano. Ficam no KM 612, KM 611, KM 616. No KM 615,6 está a mais perigosa, porque a ponte é em curva e dá engarrafamento o dia todo. Todas essas áreas estreitas deveriam ter sido duplicadas"
Outro aspecto questionado é quanto ao tráfego intenso e que seria superior à capacidade da estrada atual. "A saturação dessa estrada é nítida. Não é feita para comportar esse volume. Foi criada na época de um Brasil rural e, depois disso, com a nossa industrialização, não sofreu nenhuma mudança ampla de traçado e geometria. São milhares de carretas de minério por dia passando por ali. Sabemos que são trabalhadores e que a economia precisa deles. Mas daria para fazer o escoamento do minério de forma mais inteligente, distribuindo o tráfego para as rodovias estaduais MG-030 e MG-129 e as estradas municipais de Itabirito Ita-030 e Ita-330, por exemplo, que, claro, precisariam receber melhorias para suportar o tráfego pesado", sugere o engenheiro. Mas, mesmo sem as mudanças necessárias, o integrante do SOS BR-040, Sandoval Filho, acredita que a conservação da estrada não está sendo feita a contento e que as condições das vias, para os viajantes em férias, é ainda pior com a chegada da época de chuvas.
"A manutenção, como um todo, está esquecida na BR-040. É muita sujeira trazida pelas carretas de minerações menores e que seguem com sua produção para vender para as maiores e não adianta só lavar o pneu, porque se trata de um material muito fino. A chuva lava aquilo tudo e para na drenagem que entope, quando tem drenagem. Fica tudo acumulado na pista. Como o volume de carretas é muito grande, a faixa da direita ficou péssima. Em muitos lugares onde a carreta fica pulando e batendo, o condutor tem de ir para a esquerda estreitando a pista que deveria ser duplicada", aponta Sandoval.
"As entradas próximas também têm sido um grande problema. Saem aqueles veículos lentos, atravessando a pista e deixando terra ou lama para trás. Geralmente são acessos públicos de interseções municipais que eram para ser resolvidos e ninguém assume a responsabilidade, como no KM613, entre a Vila Condé e Avenida Paralela. Essa interseção fica entre a rodovia federal e a via municipal. Nem um resolve e nem o outro. Assim, os perigos ficam para os usuários da estrada", afirma.
A reportagem procurou a Via-040 desde o dia 20 de dezembro e ainda não obteve uma resposta para os questionamentos levantados. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que o trecho está em processo de relicitação para uma nova concessão. Um Termo Aditivo de Concessão está em vigor e obrigaria a concessionária a manter serviços essenciais, como operação e manutenção, até a transição para a nova empresa.
"A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) está comprometida com a fiscalização para garantir que a Via 040 realize os reparos necessários na rodovia, visando manter padrões adequados de trafegabilidade. Inspeções regulares são realizadas para avaliar o estado da estrada e solicitar correções quando necessário. No segundo semestre de 2023, foram emitidos 72 Termos de Registro de Ocorrência (TROs), que são prévios à aplicação de penalidades, e aplicados 46 autos de infração de diversos parâmetros analisados, em todo o trecho", informou a agência.
Ainda segundo a ANTT, o contexto faz parte do projeto de concessão da BR-040 entre Belo Horizonte e Juiz de Fora, cujo edital foi publicado em 29 de dezembro. Estão previstos mais de R$ 9 bilhões de investimentos ao longo dos 30 anos de concessão, incluindo 34 correções de traçado, duplicação de 164 km, 42 km de faixas adicionais, 15 km de vias marginais, 14 viadutos, 57 pontos de ônibus, 14 km de ciclovias, entre outros avanços. O leilão está agendado para 11 de abril.
O frio na espinha sentido por quem quase é atingido por uma carreta com mais de 20 toneladas de minério de ferro de carro ou mesmo a pé é descrito pelo comerciante Paulo Cesar da Silva, de 57 anos, morador de Congonhas. "A vida da gente passa toda na cabeça naqueles instantes que você acha que é o fim, principalmente depois de ter visto tantos parentes, amigos e conhecidos perdendo suas vidas nessa estrada", afirma. O seu trabalho à beira da BR-040, o aproxima desses riscos diariamente, pois seu comércio fica justamente no trecho mais perigoso de estrada. Além dos perigos, Paulo reclama que a poeira via invade o seu bairro, adoece alérgicos e afugenta seus clientes.
"Essa rodovia é perigosa demais e fica cada dia pior. Muitas vezes já presenciei um amigo ou conhecido acidentado. Outros que até morreram e bem aqui na porta do meu comércio", conta o comerciante. "Outro dia morreram vizinhos do meu bairro (Jardim Profeta, em Congonhas) tentando sair da rodovia para entrar. Há pouco tempo foi uma menina de 15 anos e, antes, um rapaz conhecido meu de 27 anos. Uma tristeza atrás da outra. Eu mesmo quase sofri acidente de carro e, outro dia, estava no passeio - fora da faixa - e uma carreta quase me pegou", lembra Paulo.
Sem a pavimentação, outro problema que ele e a comunidade enfrentam é a poeira dos veículos de mineração e dos que entram na via vindos de estradas vicinais ou municipais. "Esse excesso de poeira está acabando com a gente. Tinham de ser pavimentadas. Mas aí os carros ficam entrando e saindo para a rodovia, deixando aquela terra esparramada, que depois sobe como poeira para o bairro e o nosso comércio. Quando chove, vira lama, mas é tanto carro que, rapidamente, mesmo em tempo de chuva, já seca e vira poeira de novo", reclama.
Há 15 anos trabalhando como motorista de ônibus e de transporte de cargas na BR-040, no trecho mais perigoso da estrada, Rodrigo Corrêa Gonçalves, de 42 anos, afirma que a responsabilidade dos problemas da BR-040 não podem ser atribuídos apenas aos caminhoneiros. "Primeiramente, temos a má condição da pista, principalmente a da faixa da direita, onde os caminhões têm de passar; mas, se um caminhão andar na faixa da direita, é muito provável que o caminhão vá sofrer alguma quebra mecânica e ocasionar um acidente. Por isso, às vezes, motoristas com pouca experiência e que andam em carros menores xingam os caminhões, sem saber o real motivo de estarem na faixa da esquerda", justifica.
A sinalização da BR-040 é "péssima ", segundo ele. "Esse é outro problema que já causou muitos acidentes graves. Engarrafamentos nos afunilamentos são frequentes, onde muitas das vezes, um motorista já entra em curva e já dá de cara com o trânsito parado. Se for um carro pequeno, consegue parar, mas se for um caminhão, não consegue e, infelizmente, passa por cima de tudo e ainda sai culpado dali. Já que a Via-040 sabe os pontos críticos de engarrafamento e os horários, poderiam sinalizar com letreiros eletrônicos ou, no mínimo, um bandeirinha, sinalização à noite (você não enxerga 'nunca') - literalmente, você anda no escuro. Tenho pena de famílias que passam na nossa região e que não conhecem bem a estrada. Só Deus para poder livrar esses dos acidentes", afirma o caminhoneiro.
Outro motivo para tantos acidentes seria a imprudência, na visão do caminhoneiro. "Tem muitos motoristas despreparados, tanto de caminhão quanto de carro pequeno.Nos horários de pico, então, o que mais vejo são carros de empresas saindo atrasados de casa e querendo descontar no acelerador. Querem passar pela direita, pela esquerda, em cima de ponte etc. Um verdadeiro desrespeito com o próximo", conta Rodrigo.
Ainda sobre o tema, o motorista faz um desabafo: "O caminhoneiro está se tornando o culpado de tudo, mas não é. Na nossa região, o caminhão movimenta muito dinheiro, muita gente investiu pesado e só querem dar paulada no caminhoneiro. O 'social' deveria olhar isso daí também. Todo ano de política fica essa conversa: 'vamos acabar com os caminhões na BR-040'. Mas se isso acontecer, as cidades vão ficar vazias. Todos que investiram em lojas, oficinas, borracharias, lanchonetes, transportadoras... o comércio vai quebrar, vai transformar tudo em um deserto", avalia.
Para melhorar, o caminhoneiro acha que, antes de tudo, seria fundamental que os condutores tivessem mais respeito. "Pelo ser humano e pelo próximo. Antes, tinha um acidente, você parava para ajudar, fazia o melhor. Hoje, ninguém para ou para só para tirar foto para as redes sociais. Aí, já colocam a culpa no caminhoneiro. É muito fácil nos julgar, principalmente quem não entende e vive na estrada, dirigindo dia e noite, com chuva ou sol. É injusto quem está sentado no sofá criticar o caminhoneiro, chamando a gente de assassino. Mal sabem que defendemos o pão de cada dia, temos família, as contas e os compromissos", afirma Rodrigo.